13/09/2011

O drama maior do que o átomo: Luiz Felipe Pondé, um ateu tocado pela graça



QUESTÃO DE CONFIANÇA / Publicado por Douglas Reis - 19/08/2011 | 22:54h
Não posso esconder minha (grata) surpresa ao ler a entrevista do filósofo Luiz Felipe Pondé à revista Veja (Jerônimo Teixeira, Santos entre taças de vinho, Ed. 2225, ano 44, no 28, 13 de Julho, p. 17-21). Foi-se o tempo em que a filosofia era tratada como filha obediente da teologia. As duas vivem em pé de guerra desde o Iluminismo. Apenas mais recentemente, alguns filósofos cristãos, como Herman Dooyeweerd, Alvin Plantinga, Douglas Grotius, etc., viraram o jogo, provando que não há, necessariamente, incompatibilidade entre cristianismo e filosofia. Mas que isso acontecesse no Brasil, parecia bom demais para ser verdade...
 Claro que Pondé não se define como cristão ("Minha posição teológica não é óbvia e confunde muito as pessoas."). Quero crer que a entrevista, na qual o filósofo faz uma crítica acurada do superficialismo da classe média esquerdista, não fora planejada para envolver assuntos metafísicos; se eles entraram na pauta, isso se deveu às comparações de Pondé entre o idealismo da esquerda e a posição cristã.
Para ele, a esquerda seria pior do que o cristianismo por ser "menos completa como ferramenta cultural para produzir uma visão de si mesma" (p.20). O mal, na concepção da esquerda ideológica, nunca é um problema intrínseco do ser humano, mas algo externo, de natureza política ou moral - geralmente do outro! Luiz Felipe Pondé acredita que tal visão infantilize o ser humano (idem). "Na redenção política, é sempre o coletivo, o grupo, que assume o papel de redentor. O grupo, como a história do século XX nos mostrou, é sempre opressivo", sentencia o filósofo (p. 21).
Em contraponto, na teologia cristã se "reconhece que o homem é fraco, é frágil." Ele necessita da graça de Deus, a qual "não depende de um movimento positivo de um grupo". A própria ideia de santidade no catolicismo ressalta, segundo Pondé, que, se no cristianismo o homem é levado a ver o mal em si mesmo, o bem que há nele só pode ser reconhecido por outros homens (idem).
A disparidade entre cristianismo e esquerda é tanta que Pondé não polpa a tentativa de hibridismo entre os dois, a chamada Teologia da Libertação. "Um cristão que recorre a Marx, ou a Nietzche - a quem admiro -, é como uma criança que entra na jaula do leão e faz bilu-bilu na cara dele." De fato, sua avaliação de Leonardo Boff admite que o ex-franciscano "evoluiu para um certo paganismo Nova Era - e já nem é marxista tampouco." Em outro lugar, já comentei sobre o afastamento de Boff do cristianismo ortodoxo, chegando a conclusões semelhantes. Mas Luiz Felipe Pondé ainda ironiza: "A Teologia da Libertação é ruim de marketing. É como já se disse: enquanto a Teologia da Libertação fez a opção pelo pobre, o pobre fez a opção pelo pentecostalismo." (ibidem).
Sem dúvida a parte mais impactante da entrevista é a demonstração de que alguém pode, pelo raciocínio lógico, considerar a existência de Deus. Cristianismo nunca foi sinônimo de suicídio intelectual.Por outro lado, não se deve tomar a afirmação acima como uma defesa da chamada teologia natural. O ponto defendido é a racionalidade da mensagem cristã, de maneira que qualquer pessoa pode abrir sua mente para considerar os arrazoados desse sistema e, consequentemente, operar racionalmente com bases cristãs. Pondé cita a conhecida frase de Chesterton (também comentada pelo escritor Luís Fernando Veríssimo em entrevista à revista Caros Amigos), segundo a qual descrer em Deus dá ao indivíduo espaço para crer em qualquer coisa. (ibidem).
Quando perguntado o porquê deixou o ateísmo, a resposta de Pondé é muito mais contundente, o que justifica sua citação integral: "Comecei achar o ateísmo aborrecido, do ponto de vista filosófico. A hipótese do Deus bíblico, na qual estamos ligados a um enredo e um drama morais muito maiores do que o átomo, me atraiu. Sou basicamente pessimista, cético, descrente, quase na fronteira da melancolia. Mas tenho sorte sem merecê-la. Percebo uma certa beleza, uma certa misericórdia no mundo, que não consigo deduzir a partir dos seres humanos, tampouco de mim mesmo. Tenho a clara sensação de que às vezes acontecem milagres. Só encontro isso na tradição cristã." (ibidem).

À semelhança do teísta Anthony Flew, anteriormente considerado o maior filósofo ateu do século XX, Luiz Felipe Pondé teve a coragem de perseguir algumas evidências bem razoáveis que apontam para o Deus bíblico. Tivessem outros pensadores (esquerdistas ou não) a profundidade de reflexão que lhes permitissem avaliar a questão sobre Deus de forma mais detida; não me estranharia se chegassem a conclusão similar a do ex-ateu Pondé...
 
 
 
SOBRE O AUTOR
DOUGLAS REIS
 
Formado em Teologia pelo Unasp, campus Engenheiro Coelho, SP, desde 2002. Atua como pastor-capelão do Colégio Adventista de São Francisco do Sul, SC.
Mantém o blog www.questaodeconfianca.blogspot.com.
É autor dos livros Paixão Cega (CPB) e Marcados pelo Futuro (ADOS).

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